treze
João
Quando saímos do restaurante, a chuva tinha parado,
finalmente, pelo que pudemos fazer o caminho a pé de forma mais demorada,
conversando. Passava pouco mais de meia hora da meia-noite e já havia movimento
à porta de alguns bares por onde íamos passando. Cruzamo-nos com um casal que
vinha abraçado e senti uma vontade enorme de fazer o mesmo. Queria por o
braço por cima do ombro dela, abraçá-la, cheirá-la, beijá-la. Controlei-me
a custo: era necessário ter calma e não precipitar as coisas, sob pena de as
estragar. Estou decidido a convidá-la para sair. Já sei a que
restaurante quero levá-la e planeio irmos depois àquele bar de jazz que
aposto que ela vai adorar. Só me falta encontrar o momento certo para a
convidar sem que o convite pareça despropositado.
Entramos no carro e o rádio do passava agora música mais calma, numa
sessão de baladas românticas de um programa nocturno. Prontifiquei-me a colocar um cd de Marvin Gaye e assim que os primeiros acordes de “Let’s get it on” soaram ela comentou que adorava aquela música.
Bingo!
- Acho que há versões melhores do que esta original.
- Isso é impossível, - indignei-me – o Marvin é um
senhor e não há uma única versão melhor que a dele.
- Discordo! Conheço pelo menos umas duas ou três versões
que acho bem melhores!
A discussão continuou animada e quando parei o carro em frente ao prédio dela, já ela estava de telemóvel em
punho a entrar na página do youtube
para me provar que tinha razão no seu ponto de vista. Peguei também no meu telemóvel para ir buscar umas músicas que suportavam a minha teoria
de que Marvin era o mestre entre os demais no mesmo género e fui contrapondo tudo o que ela dizia. Hábitos profissionais, talvez. A conversa foi-se
desfiando, surgindo com naturalidade e saltando de tema em tema.
Eram duas da manhã no relógio do Volvo, que continuava
estacionado em frente ao prédio enquanto conversávamos animadamente. Quando a Camila olhou para o relógio, ficou boquiaberta.
- Já viste as horas? - perguntou.
- Estou a ver agora…nem dei pelo tempo a passar.
Sorriu-me.
- Eu também não. Parece que falamos uns minutos, mas a
verdade é que estamos aqui parados há mais de uma hora.
Clássico.
Clássico.
- E mesmo assim ainda não te consegui convencer que…
- Nem tentes, - fingiu-se ela de ofendida – eu sou
fidelíssima às minhas convicções!
- Sim, minha senhora!
- Bem, João...
- Diz.
- Adorei este bocadinho, mas vou indo…
- Também gostei muito. Camila, antes de ires…
- Sim…
Fixei os olhos nos dela.
- Adorava convidar-te para jantar. Quer dizer, jantar só os
dois, eu e tu.
Pronto, estava dito. Abri a boca para continuar, mas ela não me deixou.
- Adorava.
- Ainda bem, - respondi, aliviado – fico muito contente.
Pode ser na terça-feira? Vou sair tarde nos outros dias, esta semana.
- Pode, terça está óptimo.
- E aguentas até terça sem me ver? - atirei sem pensar.
- Vou tentar. - respondeu-me com um ar suficientemente sério para me deixar feliz.
- Venho buscar-te às oito, combinado?
- Combinadíssimo!
Aproximei-me dela e dei-lhe um beijo suave no rosto,
em vez dos dois beijos com que costumava cumprimentá-la. Ela sorriu-me e saiu do carro.
Camila
Camila
O meu corpo dizia-me para me aproximar mais, queria inspirar aquele perfume magnífico directamente
do pescoço dele e beijá-lo. Como seria bom beijá-lo na boca e sentir aqueles
lábios perfeitamente desenhados envolvidos nos meus. A minha cabeça, para não variar,
puxou-me em sentido contrário, dizendo-me que seria prematuro, pelo que saí do carro antes que deixasse de conseguir controlar-me.
Nunca fui uma mulher daquelas que têm sexo logo no
primeiro ou segundo encontros e muito menos de me interessar a sério por um
homem acabado de conhecer. Sim, bem vistas as coisas, eu e o João só estivemos juntos duas vezes, sendo que antes não nos conhecíamos de lado nenhum, exceto das referências frequentes da Mariana. Avançar com o que quer que fosse seria, no mínimo, precipitado, sim, mas o
certo é que o desejo. Muito.
À medida que o elevador sobe lentamente para o meu terceiro andar, estes pensamentos desfilam-me na cabeça, enquanto tento arrumar e catalogar aquilo que sinto pelo João.
Abri a porta de casa e bati-a atrás de mim. Vesti o
pijama, coloquei um cd na aparelhagem do quarto e fiquei deitada na cama, de
barriga para cima, a pensar. Sei que penso demasiado em tudo e que tenho a
tendência para racionalizar tudo. Tenho a noção de que Mariana está certa ao
dizer que eu devia deixar as coisas acontecerem naturalmente, mas tenho medo,
medo de admitir o que sinto, medo de estar vulnerável, medo de tantas coisas.
Admito agora, para mim mesma, que o desejo. Desejo-o
muito, e não, não é por não dormir com um homem há meses. Se fosse por isso, seria fácil de resolver.
Não. Há dois tipos de desejo: aquele que se mata de uma
vez e aquele que nos mata a nós, como uma sede que só aumenta de cada vez que a
saciamos. Tenho medo que o meu desejo pelo João seja desses arrebatadores. É isso que me assusta. Fecho os olhos, suspiro fundo e deixo-me envolver pela música e
pela chuva que entretanto cai outra vez lá fora. Só queria que ele estivesse
aqui.