21:11

8
João

Estou recostado no sofá de casa, com os pés em cima da mesinha de café. Conto os segundos que a chamada demora a percorrer os dois mil quilómetros que separam o telemóvel do Jaime do meu. Quatro.
- Olá, pá! - atendeu-me ele, bem disposto.
- Então, tudo bem? 
- Tudo a correr, e aí? 
- Também. Está tudo bem...
- Sabes que estou em Londres, não sabes? Não te esqueceste...
- Não, claro que não me esqueci. Está tudo bem? 
- Está, já te disse que sim. Na quinta-feira à noite já regresso. Passa-se alguma coisa?
Merda para o facto de ele me conhecer bem.
- Era o dia da tua vinda que eu queria confirmar. Lembrei-me de marcar uma saída para sexta, que dizes?
- Acho óptimo, mas ligaste só por causa disso? Estou a estranhar-te! Está mesmo tudo bem?
- Está, descansa. Achei só que era porreiro marcarmos qualquer coisa…
- Sim, eu falo com a Mariana, então.
- Er…a Camila também pode vir…- deixei no ar, com a voz mais natural que consegui.
- Ah, claro! Claro que a Camila também pode ir, só assim por acaso. Não que queiras, mas pronto, pode ser, não é? – gozou ele. – Podias ter-me dito logo a razão da tua pressa em marcar saída para sexta, pá! - riu-se.
- Não comeces. Só disse que podia vir.
- João, ligaste-me para Londres para marcar uma saída na sexta. Para Londres, João. Ela é gira, não é? Eu sei. Tens bom gosto, mas vai com calma.
- Deixa-te disso, foi só uma sugestão. Vou com calma porquê?
- Porque sim. Tens mesmo de ir com calma. Tenho mesmo de ir. Falo com a Mariana e digo-te alguma coisa mal possa, OK?
- Combinado! Boa sorte, arrasa com eles.
- Até logo.
- Até.
Sinto-me um pouco patético. O Jaime percebeu perfeitamente a minha intenção ao ligar-lhe. Que se lixe: os melhores amigos são para isso mesmo. Pelo menos há a forte possibilidade de ver Camila de novo na sexta, e isso é que me interessa. Só não sei porque me disse o Jaime duas vezes que tenho de ir com calma.


Camila


A Mariana apareceu-me cá em casa de surpresa na belíssima companhia de uma embalagem de gelado de caramelo, que, neste momento, jaz vazia no chão. Para não variar, estamos a ver um filme. É quase uma religião nossa, esta combinação de filmes e gelado quase sempre que estamos juntas.
- Olha só que lindo! Ele foi ter com ela e declarou-se debaixo daquele temporal! - suspirou ela.
- És mesmo uma romântica incurável.
- Olha quem fala!
O telemóvel dela toca. É o Jaime, e um sorriso rasgado aparece-lhe nos lábios ao atender a chamada:
- Oi, bebé!
Consigo ouvir a voz dele do outro lado, mas é-me impossível perceber o que diz. Só o consigo tentar deduzir através das respostas dela.
- Sim, - diz ela – acho boa ideia.
- …
- Não, não tenho nada planeado. 
- ...
- Não sei, mas posso perguntar-lhe. Porquê?
- …
- Mas afinal quem é que lembrou da saída?
- …
- Jura! – A cara dela iluminou-se de repente. Tapou o telemóvel com a mão e virou-se para mim:
- Tens planos para sexta?
- Não, - respondi-lhe, ainda sem entender a razão de tanto alarido – acho que não tenho nada marcado. A Alice tinha falado na hipótese de irmos…
Ela nem me deixou acabar a frase e voltou-se de novo para o telemóvel.
- Jaime, a Camila está livre, por isso vai connosco, sim! Marco sítio?
- …
- Ok, bebé. Eu também tenho saudades…beijo grande.
Desligou a chamada e ficou com um sorriso estupidamente grande a olhar para mim, que esperava, entretanto, que ela me explicasse o que estava a acontecer.
- Vais dizer-me o que se passa, Mar? - impacientei-me.
- Sim, vamos jantar na sexta… 
- E?
- E tu tens de vir. Tens mesmo de vir.
- Tenho mesmo de ir porquê? O que vai ser assim tão especial nessa saída? Está a escapar-me alguma coisa, não está? O teu aniversário não é!
- É que foi o João que quis marcar! - explodiu ela. - Ligou de propósito ao Jaime para Londres e foi ele que falou em convidar-te! – Mariana tinha-se levantado do sofá e estava agora em pé, em frente a mim, a gesticular.
Senti um aperto no estômago. Podia não ser nada, provavelmente nem seria, mesmo, mas João tinha-se lembrado de me convidar para a próxima saída de grupo. Tentei parecer calma e falar de forma natural, mas estava com o coração acelerado.
- Ele é muito simpático, Mar, só isso. – sorri-lhe a custo.
- Oh, deixa-te de tretas! Eu conheço o João, e para ele ter feito isto é porque mexeste com ele e ele quer ver-te de novo.
- Pára, sim? Vou fazer um chá. Concentra-te na cena romântica do filme que eu já volto.
Dirigi-me para a cozinha e liguei a chaleira eléctrica. Fiquei absorta a olhar para a água e a ver como ela ia aquecendo gradualmente, cada vez mais, até entrar numa ebulição violenta. Naquele momento sentia cá dentro umas bolhas muito leves, levíssimas, quase imperceptíveis. O meu medo é que escalem de tom até ferver desmesuradamente, tal como a água do chá. Desliguei a chaleira, suspirei fundo e voltei para a sala com o chá para acabarmos de ver o filme. 

















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