12:40

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  Camila


Hoje só acordei por volta das onze horas. Ontem saí com o grupo da Mariana e, ao que parece, o facto de me ter deitado bem mais tarde que o habitual influenciou a minha hora de acordar. Optei por não pôr o despertador e o resultado foi esse. Tomei um duche, vesti um fato de treino e liguei a aparelhagem. A Mariana vem ter comigo para almoçar e quero organizar umas coisas antes que ela chegue. A estante e a secretária acusam o trabalho da última semana: livros abertos com post- its escritos, papéis de rascunho espalhados e a gramática pesada fora do sítio, pelo que começo por arrumar tudo. Tocou o telemóvel: era ela.
- Olá, Mar!
- Bom dia! Dormiste bem?
- Sim, e tu? Dormiste, de todo? – provoquei.
- Oh, não dormimos muito, mas valeu a pena…
- Não quero saber detalhes, por favor. A que horas chegas?
- Lá para a uma. Levo gelado, encomenda qualquer coisa, sim?
- Combinado, até já.
- Beijo.
Voltei às arrumações e só parei quando fui interrompida pela campainha. Já sabia quem era e carreguei no botão para abrir a porta sem me dar sequer ao trabalho de pegar no telefone do intercomunicador. Dois minutos depois, ela entrava-me em casa com um saco de aspecto pesado.
- Oi, Mar. Vens carregada. - observei.
- Sim, trago gelado…de três sabores diferentes. 
Ri-me com vontade:
- O Jaime só foi hoje de manhã e já estás carente a esse ponto?
- Oh, detesto estes congressos constantes, roubam-nos imenso tempo.
Notei uma tristeza real nela, apesar da sua tentativa de a disfarçar, e resolvi puxar mais um pouco:
- Mas já estás habituada, não é nada de anormal.
- Eu sei, mas estamos pouco tempo juntos. O facto de vivermos em casas separadas não ajuda.
Percebi imediatamente onde ela queria chegar:
- Morem juntos, então! Esse é um problema facílimo de resolver.
- Eu sei... - suspirou ela - já falamos sobre isso algumas vezes, mas nunca chegámos a fazê-lo, não sei bem porquê. Não estou a dizer que a culpa é dele, mas passa-me pela cabeça que se calhar não quer...
- Estás a delirar! O Jaime é louco por ti, e se ainda não vivem juntos é porque de certeza que ele está a planear fazer as coisas com calma, de forma ponderada como é típico dele. Vai querer tudo como deve ser.
- Como assim?
- Com pedido de casamento, anel, e tudo a que tens direito, podes apostar.
- Oh, não sei...
- Deu-te para ser insegura, agora? Podia dar-te para pior, realmente. Já sei, deve ser aquela altura complicada do mês, de certeza!
Ela sorriu, dando-se por vencida.
- Acertei, claro! - continuei. - Só podia ser, mas isso resolve-se facilmente com esses gelados que trouxeste. Aliás, podes já começar por ir à cozinha buscar colheres enquanto eu ligo para o serviço de entregas. Pode ser comida chinesa daquele restaurante do costume? 
- Claro que pode. - concordou ela com um sorriso. 
- Então escolhe aí um filme lamechas para comentarmos tudo do princípio ao fim, vá. Começamos pelo gelado, enquanto a comida não chega. Sobremesa primeiro, um clássico nosso!
Liguei para o restaurante enquanto a Mariana carregava no comando e olhava para a televisão com um ar compenetrado. 
- Que filme queres ver? – perguntou-me.
- Sei lá…um com explosões, perseguições de carros e pancadaria…
- Estás a brincar! –  indignou-se, de olhos arregalados.
- Claro que estou, - ri-me, satisfeita, - até parece que não me conheces!
- Eu sugiro algo bem romântico. Deixa ver se há aqui algum com o Jude Law…
Dei uma gargalhada com vontade:
- Tu e o Jude Law são um caso sério.
- Vais dizer que não é lindo?
- É bonito, sim.
- Claro que não é o João… - deixou sair, com um falso sorriso inocente.
- O quê? O que tem um a ver com o outro?
- São ambos lindos, é o que tem a ver. Já viste este? - perguntou, com a televisão pausada numa comédia romântica que tinha passado no cinema há pouco.
- Não, não vi. Se não vi contigo, não vi de todo, ou achas que vou ao cinema sozinha? - atirei.
- Podias ter companhia sem ser a minha, Milly...companhia masculina, se me faço entender.
- Ah, sim, claro! Ouvi falar duns serviços de homens que levam mulheres ao cinema só porque sim.
- Não sejas parvinha. Falo de homens conhecidos, de confiança...no João, por exemplo.
- E lá vem ela de novo...
- Oh! Conta-me, vá.
- Conto-te o quê?
- Se gostaste do jantar, de conhecer o grupo...
- Muito, foi muito agradável.
- E se gostaste de conhecer o João...
- Sim, - admiti - gostei de conhecer o João.
- Pudera! Foi muito atencioso contigo e não te largou um segundo. Até se prontificou logo para te vir trazer a casa, foi muito querido.
- Sim, e isso não teve aí mão tua, por acaso?
-Minha? Nada disso, que injustiça! - reclamou. - Só não me dava jeito levar-te a casa porque queria estar mais tempo com o Jaime, tu entendes...
- Entendo, pois...entendo muito bem e percebo perfeitamente o que estás a tentar fazer, minha menina.
A chegada da comida interrompeu-nos. Fui atender o entregador, enquanto Mariana esperava no sofá.  Era o mesmo do costume, que fazia sempre as entregas do restaurante.
No preciso momento em que eu começava a esventrar um crepe, Mariana, em silêncio há uns infinitos dois ou três minutos, voltou à carga.
- Eu não fiz nada. Nadinha, mesmo. Só tento que saias e conheças gente, só isso. Claro que se te puderes apaixonar por um homem fenomenal pelo caminho, excelente.
Eu ri-me, fiz uma careta e lambi os dedos, cheios de molho das gambas. Adorava que o nosso à-vontade nos permitisse estas liberdades a comer.
- Adorava que vocês namorassem. - voltou ela.
- Lá estás tu a fazer casamentos, és terrível! Eu saio uma vez com os amigos do Jaime e tu queres casar-me com um.
- Estou a falar a sério, desta vez. Não te quero casar com ninguém, acho que têm bastante em comum e seria fantástico se acontecesse. Já admitiste que ele é giro e tudo...
- Admiti e admito que é muito bonito, sim, e parece muito interessante, mas pára com isso, sim?
- É isso mesmo: bonito e interessante. Um pedaço de mau caminho, para ser mais precisa…
- É um pedaço de mau caminho, é. De péssimo caminho, aliás, daqueles bem acidentados e perigosos onde nos podemos magoar seriamente. Já tu és uma pessoa chata e insistente e nem sei porque me dou tão bem contigo!
- Pronto, lá estás tu com as tuas metáforas. Se fores sempre por caminhos sem graça podes não te magoar, mas também não tens nada de excitante na tua vida, não é?
- Não quero namorados, nem pensar sequer em relações…e tu sabes bem porquê.
- Não digo mais nada, pronto, pelo menos por agora. Chamemos-lhe umas tréguas.
- Tréguas. Esse filme vem ou não?




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