19:30

dez
João

Olhei para o relógio: 18:12. O trabalho estava perfeitamente controlado e encaminhado, pelo que decidi que estava mais que na hora de ir embora. Levantei-me, peguei no casaco e bati a porta do gabinete atrás de mim: já não tinha muito tempo para passar por casa, tomar um duche e ir ter ao jantar.
Ao entrar no elevador vi a Laura a aproximar-se. Estou mais que habituado às investidas dela, que já contorno diplomaticamente com perícia, mas há dias em que tenho menos paciência para as aturar. Hoje, com a pressa que tenho, é um desses dias. Ela não perde uma oportunidade para me tocar acidentalmente e faz quase de tudo pela minha atenção, mas não lhe vale de nada. Tenho colegas que me dizem que devo ter algum problema, pois não acham normal eu não responder aos convites mais ou menos directos que me faz constantemente. A maioria deles acha-a um avião e não perderia uma oportunidade com ela, se ela surgisse, mas eu não estou minimamente interessado e faço questão que ela perceba isso. Sou sempre simpático e cordial, mas esforço-me para não deixar dúvidas em relação às minhas inexistentes intenções de seja o que for que ultrapassasse os contactos da esfera profissional.
Espero sinceramente não ter de partilhar o elevador com ela. Pelo menos não o percurso todo. Não estou mesmo com paciência.  
- Olá. - cumprimentei-a.
- Olá, João! Já vais embora? – perguntou-me com voz lânguida, enquanto entrava no elevador ao mesmo tempo que eu.
Pouca sorte. Não só ia partilhar o elevador com ela como já conseguira perceber que ela estava especialmente inspirada.
 - Já, - atirei – já chega por hoje.
- Eu também já vou. Queres ir beber um copo?
- Obrigado, Laura, mas tenho coisas combinadas. Fica para a próxima, talvez.
- Tudo bem…
O elevador parou no piso térreo e salvou-me daquele constrangimento. Estou cada vez menos interessado neste tipo de mulheres muito sofisticadas, com roupas de Barbie e maquilhagens de capa de revista: é tudo demasiado artificial e igual. Não que as critique por serem assim, não, até porque já tive uma longa fase em que achava que quanto mais produzidas e sofisticadas melhor. Acontece que cheguei, entretanto, à conclusão de que há muito mais coisas que procuro numa mulher. Saí do prédio de escritórios, deixando-a para trás com um simples “até amanhã” e dirigi-me ao carro. Pego no telemóvel por acaso e vejo uma chamada não atendida do Jaime. Opto por lhe devolver a chamada pelo caminho, no carro. Não quero mesmo chegar atrasado ao jantar. Não a este.


Camila


Estou a traduzir um manual novo. O prazo para o entregar é confortável e em termos técnicos é um trabalho pouco exigente, e talvez seja por isso que não estou com grande pressa para o adiantar. Já abordei e abandonei várias vezes o parágrafo que tenho agora entre mãos, mas fosse ver os emails, organizar a gaveta da secretária ou arranjar algo para comer, tudo serviu de desculpa para uma interrupção. O certo é que durante a tarde pouco avancei no trabalho e perdi a conta às paragens que fiz. Há dias em que a produtividade é igual a zero, pelas mais diversas razões.
A verdade é que a minha cabeça tem estado no jantar e no facto de saber que mais tarde vou estar outra vez perto do João.  Quando me lembro disso fico com um friozinho bom no estômago e sinto-me estúpida por isso. Esta sensação no estômago agrada-me, por um lado, mas, ao mesmo tempo, desagrada-me e preocupa-me, também: gosto de controlar tudo e detesto quando algo me foge do controlo, pois sei que é aí que fico vulnerável e que me posso magoar. Desde o episódio que vivi que esta obsessão pelo controlo se transformou em algo maior, numa necessidade quase visceral de me proteger de qualquer situação que me possa potencialmente magoar. Nessa altura planeei dedicar-me exclusivamente ao trabalho e jurei não pensar sequer em homens tão cedo, quanto mais deixar que mexessem comigo desta maneira. Apesar de tudo, aqui estou eu, pouco mais de sete meses depois, a sentir. Não sei bem o quê, ainda não tive oportunidade ou coragem de o descobrir, mas estou a sentir alguma coisa pelo João, o que me envergonha. Vi-o uma vez e estou sempre a pensar nele, o que faz de mim, no mínimo, patética.
Olhei distraidamente para o relógio e constatei que estava mais que na hora de ir para o duche, se queria arranjar-me com calma. Não posso usar água muito quente, como habitualmente faço, pois isso relaxa-me e relaxar é tudo o que eu não quero. Quero estar desperta e pronta para aproveitar a noite. Saí do duche de 3 minutos, vesti uns jeans pretos justos e escolhi uns botins de salto alto para acompanhar. Completei a indumentária com uma camisa branca cintada e uma camisola preta de decote largo e debruada a pequeníssimos brilhantes pretos. Planeio levar o blusão preto que me acentua a silhueta e estou pronta. Quanto ao resto, vou manter tudo simples: hidratante com cor, lápis e rímel preto, um pouco de blush e um gloss clarinho nos lábios.
Olhei para o telemóvel, enquanto secava o cabelo, para controlar as horas, mas a luz a piscar anunciou-me novidades: duas chamadas não atendidas da Mariana. Desliguei o secador e liguei-lhe de imediato.
- Olá, Milly! Liguei-te há pouco, mas não atendeste. - atendeu-me, com a voz animada.
- Eu sei, só vi agora as chamadas e é por isso que estou a ligar-te. O que se passa?
- Vim ter com o Jaime ao hospital para irmos juntos, mas ele vai atrasar-se um pouco. Teremos de ir directos daqui para o restaurante para não nos atrasarmos mais.
- Não tem mal nenhum, eu levo o meu carro.
- Não precisas! - respondeu ela, prontamente. – Como é muito difícil arranjar estacionamento lá, o Jaime pediu ao João para te ir buscar.
- O Jaime fez o quê? – o meu coração disparou a alta velocidade em direcção à minha boca.
- Calma, é só uma boleia entre amigos, é a coisa mais natural do mundo.
- Se eu não te conhecesse até acreditaria nisso, Mar. Eu posso levar o meu carro.
- Está tudo combinado. Ele está aí por volta das 20:00, sim? Dei-lhe o teu número de telemóvel para que te possa ligar quando chegar. Beijo, adeus!
A Mariana desligou a chamada antes que eu tivesse tempo de lhe responder ou de contra-argumentar fosse de que maneira fosse.
Respirei fundo. Muito bem, então quer dizer que o João me vem buscar e que me vai ligar quando chegar. O que quer dizer, também, que vamos os dois sozinhos, de novo, no carro dele. 
Que seja.
 Pelas minhas contas, tinha cerca de dez minutos e ainda tinha de terminar de arranjar o cabelo entretanto. Eram 20:02 quando o telemóvel tocou. Não conhecia o número, mas já sabia quem seria.
- Sim?
- Olá, Camila, - a voz quente dele soava do outro lado do telemóvel – é o João.
- Olá, João…
- Já estou cá em baixo. Não te quero apressar, demora o tempo que precisares, era só mesmo para te avisar que cheguei.
- Já estou pronta, desço num minuto.
- Ok, então até já.
- Até já.
Peguei na mala, desliguei as luzes e saí de casa. Entrei no elevador e vi-me ao espelho. Não sabia por que razão estava tão ansiosa, ou talvez o soubesse mas preferisse não tomar conhecimento. Quando saí do elevador vi o carro dele estacionado mesmo em frente ao prédio. Inspirei fundo e saí para o frio da noite.
Ele inclinou-se para me abrir a porta do carro. Entrei, sentei-me e fechei a porta.
- Olá! – cumprimentou-me com dois beijos no rosto. 
Cheirava maravilhosamente, tal como me lembrava. Fosse eu especialista e saberia descrever cada nota daquele cheiro.
- Olá, João. Desculpa o transtorno, – comecei a desculpar-me – não sabia que o Jaime te ia pedir para me vires buscar. Podia muito bem levar o meu carro...
- É muito difícil arranjar estacionamento lá, por isso quanto menos carros levarmos, melhor. E não é transtorno nenhum, - disse-me, fixando os olhos nos meus por dois segundos inteirinhos - é um prazer.




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