21:06

doze


Camila

Os dois lugares que sobravam na mesa do restaurante eram juntos. A Mariana e o Jaime fizeram de propósito, como é óbvio, para que eu e o João ficássemos ao lado um do outro. Para não parecer muito forçado, estavam sentados um de cada lado dos lugares vazios com a provável desculpa de estarem perto dos respectivos melhores amigos. Cumprimentos trocados, o Jaime puxou o João para a conversa que estava a ter com o Tiago e a Mariana interpelou-me.
- Como correu a viagem para cá? - perguntou, cheia de falinhas mansas.
- Ainda vamos ter uma conversinha sobre isso, Mar… - respondi-lhe, num sussurro.
- Oh, não comeces, – fingia-se inocente – foi só uma questão de conveniência.
- Foi, claro que foi! Se eu não te conhecesse até acreditaria…
- Vou lá fora fumar, vem comigo!
- Já sabes o que eu penso disso, Mariana: se consegues fumar só em festas também conseguirias não fumar de todo, não?
- Sim, já conheço essa lengalenga de cor. – resmungou, já de pé. - Vens ou não?
Juntei-me a ela. O restaurante tinha uma pequena varanda exterior onde estavam duas pessoas a fumar. Encostamo-nos a um canto mais sossegado e a Mariana não esperou para retomar o assunto que tinha começado lá dentro.
- O João foi simpático? – perguntou entre duas baforadas.
- Muito. E gentil, também.
- Gentil, sem dúvida! E bonito, inteligente, – continuou – podre de bom, culto…e solteiro! Já disse “bonito”?
- Oh, cala-te! Outra vez essa conversa? Andas monótona na escolha dos temas de conversa, bolas!
- Reforcemos o “solteiro”, então. Caso te esteja a escapar, “solteiro” significa disponível.
- Realmente não se entende porque não tem namorada. – esperei parecer desinteressada, mas estava a morrer para descobrir tudo o que conseguisse sem dar muito nas vistas.
- Uma coisa te digo: não é por falta de pretendentes. Era só ele estalar os dedos e tinha uma fila de mulheres prontas a aquecer-lhe a cama, mas acho que ele se cansou disso há uns tempos atrás, por aquilo que diz o Jaime. Havias de ver a marcação que a Laura lá do escritório lhe faz, e ele impávido e sereno. Metade dos homens do escritório davam tudo para dormir com ela, mas ele não lhe liga nada. Nada! Pelo que sei ele só teve uma relação séria, com uma modelo, e foi ele que a terminou há cerca de…deixa ver…uns três, quatro meses, mais ou menos.
- A Madalena parece muito virada para ele.
- Essa é outra! Ela bem tenta, coitada, - riu-se com ar de gozo – mas ele não deixa que a relação passe da amizade. Já podia ter dormido com ela as vezes que quisesse!
- Bolas, ele é imune às investidas das mulheres, pelo que dizes. Será gay? Ou terá feito algum voto de celibato?
A Mariana riu-se com vontade.
– Não, ele teve o seu tempo de conquista e de loucuras, simplesmente agora deve querer algo diferente. Acabei o cigarro, vamos para dentro?
A conversa na mesa, durante o jantar, passou pelo futebol, pela política, pela gastronomia, pelas viagens e parara agora na literatura. O Jaime brincava, dizendo que lia um pouco de tudo, desde que não fossem tratados médicos e ensaios clínicos, coisa que estava farto de ler. O Tiago, por sua vez, afirmava com um ar muito sério que a melhor literatura que conhecia era a Playboy e a Hustler, o que provocava gargalhadas aos restantes convivas.
- O Tiago tem um ar calmo, mas como vês é divertidíssimo… - sussurrou-me a Mariana – ...isso e um Casanova de primeira.
- A sério?
- Ele não perde a oportunidade de seduzir uma mulher bonita. Nós costumamos brincar com ele e dizer-lhe que já deve ter percorrido o alfabeto três vezes.. Mas podes ficar descansada, - continuou – que o João não é nada assim. Por falar nisso: queres que seja eu a levar-te a casa ou preferes que seja ele? Sê sincera, por favor, e não me enroles!
- Ah, tu afinal planeias estas coisas! Estava certa, eu! És um diabo.
- Continuo à espera de resposta.
- Que pergunta, Mariana! Quero que sejas tu, ou melhor, era suposto seres tu, até eras tu que me ias buscar hoje, só que entretanto...
- Estás a enrolar-me.
- Quero que seja ele, - admiti, baixando ainda mais o tom de voz, apesar do barulho na mesa – mas ao mesmo tempo não quero. É complicado, Mar, sinto-me uma adolescente palerma com borboletas na barriga por um homem que mal conheço.
- Estás parvinha, só pode! Achas que lá por ter acontecido o que aconteceu que vais morrer para a vida e que não podes apaixonar-te de novo? Pelo menos admites que ele te provoca borboletas na barriga, o que já é óptimo! O próximo passo vai ser admitires que isso não é apanágio exclusivo da adolescência!
- Tens razão. - concordei entre suspiros – Não é que não seja normal sentir isto, acho é que não queria senti-lo. Sabes que tenho tudo sob controlo há meses e sinto que posso perder esse controlo quando estou com o João, percebes?
- Percebo isso tudo, mas perder o controlo não é necessariamente mau, Camila! Acho que estás é a pensar demasiado nas coisas, deixa-as fluir e logo vês o que vai acontecendo a seguir.
- Talvez tenhas razão. Eu não sei o que isto é, ou se é efectivamente alguma coisa, já sem contar que há uma hipótese gigante de ele não sentir nadinha por mim…
- Acho que estás enganada. Conheço-o bem e não lhe és de todo indiferente, por isso não sejas complicada e pára de pensar, é tudo o que te peço.
- Vou tentar não complicar tanto, mas não prometo…
- Combinado! Não te peço mais do que isso, só que tentes. 
O João veio da outra ponta da mesa, onde entretanto estivera sentado a falar com os rapazes, e aproximou-se de nós. 
- De que tanto falam vocês? Boa coisa não é de certeza… - atirou, a sorrir.
- Nada de especial, - cortou a Mariana – só coisas de mulheres, não é, Camila?
- Sim, futilidades sem interesse nenhum: vernizes, malas, roupas… - completei.
- Como se eu acreditasse nisso! – contrapôs ele.
- Na verdade, a Camila estava a dizer-me que estava um pouco cansada, mas eu estava a tentar convencê-la a ficar mais um pouco pois não me apetecia ir já embora.
- Eu posso levá-la, – ofereceu-se ele, prontamente – e assim tu podes ficar o tempo que quiseres. Também estou cansado. Tive uma semana difícil no escritório.
- Antes tu que eu, Joãozinho! - provocou a Mariana. - Enquanto o chefe anda entretido contigo não me chateia a mim!
Ficaram os dois a olhar para mim.
- Pode ser, obrigada…quero dizer, a boleia - agradeci desajeitadamente – estou um pouco cansada, de facto.
O João despediu-se rapidamente dos rapazes e atirou um “adeus” às mulheres enquanto eu peguei no casaco e na mala. A Madalena percebeu que ele ia levar-me a casa e ficou notoriamente amuada. Cruzei o olhar com o dela e senti um arrepio mau na espinha, como se ela me estivesse a ameaçar com os olhos.


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