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Camila
Foi a Mariana quem orientou os lugares e acabou por sentar as mulheres em frente aos homens. Ficámos sentadas lado a lado e de frente para o Jaime e o João.
A conversa decorreu de forma animada. Por aquilo de que me fui apercebendo, o grupo já não se juntava há mais de três semanas, quebrando uma suposta regra interna que os proibia de passarem mais de 15 dias sem estarem juntos. Isso
explicava porque tinham tanto que conversar.
No final do jantar o Jaime sugeriu que fôssemos até um bar ali perto
para beberemos um copo.
Saímos do restaurante e fomos a pé, já que, pela distância, não se justificava ir de carro. Segui pela rua ao lado de Mariana e João. A Madalena
conversava animadamente com a Joana, enquanto o Tiago e o Jaime iam um pouco mais à frente. O Jaime virou-se para trás e chamou a Mariana, que foi ter com ele, deixando-me momentaneamente sozinha ao lado do João.
- Gostaste do restaurante? – perguntou-me ele.
- Sim, bastante. Não conhecia. - respondi.
- A Mariana disse-me que és tradutora.
- Sim, é verdade.
- Trabalhas nalguma empresa?
- Não, trabalho por conta própria. Trabalho para várias empresas mas
não estou vinculada a nenhuma.
- Que sorte! – sorriu ele. – Não tens de aturar chefes,
que inveja!
Que sorriso! De onde tinha saído aquele exemplar de homem?
- O teu chefe é um pouco chato, eu sei. - atirei. - A Mariana conta-me
algumas coisas lá do escritório.
- Um pouco chato? Ele consegue tirar-me do sério demasiadas vezes. Acho que a Mariana não te tem contado as histórias todas!
- Conheces o bar onde vamos? – puxei.
- Sim, já lá fomos duas ou três vezes. Passa música dos anos 80 e o
ambiente é bastante agradável. A esta hora ainda não costuma estar muita gente.
- Parece excelente. Adoro música dos anos 80.
- A sério? Eu também. Aquelas baladas com muita guitarra à
mistura são épicas! Que mais gostas de ouvir?
- Jazz.
- Adoro. Já ouço jazz há muitos anos, muito
antes de ser moda dizer que se gosta e que se ouve. O meu pai tinha uma
colecção enorme de vinis de jazz e cresci a ouvi-los.
Entrámos no bar. As poucas mesinhas que
pontuavam o local estavam ocupadas e o balcão do bar tinha pessoas à espera
para pedir bebidas, mas ainda assim o espaço não estava demasiado cheio.
Arranjámos, por sorte, uma mesa quando o grupo que lá estava sentado se levantou para ir
para a pista.
- Vamos sentar-nos! – puxou-me a Mariana. Olhei em volta: a Madalena e o Tiago já estavam no balcão do bar e a Joana estava num canto da mesa a
teclar furiosamente no telemóvel.
O Jaime sussurrou alguma coisa ao ouvido da Mariana e ela virou-se para mim:
- O que queres beber?
- Pode ser uma cuba
libre.
João prontificou-se:
- Eu trago-ta.
- Obrigada! – agradeci com um sorriso.
Juntou-se a Jaime e dirigiram-se ambos para o bar. Eu e a Mariana ficámos a vê-los afastar-se. A Joana veio ter connosco:
- Vou indo, que amanhã tenho aula de mestrado bem cedo e tenho
de dormir!
Despedimo-nos e ela saiu, deixando-nos sozinhas na mesa.
- Bem, que prontidão para te trazer a bebida, hein? – a Mariana aproveitava agora o facto de estarmos sozinhas para me provocar. Nada que eu não esperasse.
- Foi simpático, sim. - disse, com a maior naturalidade de que fui capaz.
- É simpático, sim... e inteligente e bonito também.
É dos tipos mais impecáveis que conheço.
João vinha agora em direcção a nós com duas bebidas na
mão.
- Uma cuba libre…
- Obrigada! - sorri-lhe. Fiquei com a nítida impressão de que estava a sorrir demasiado, mas não me conseguia controlar.
- Mariana, o Jaime ficou na conversa no bar. Se queres
mesmo a tua bebida aconselho-te a ir lá apressá-lo, é que o Tiago e a Madalena
pediram uma daquelas bebidas complicadas e vai demorar a fazê-las.
- Oh, é sempre a mesma coisa! Eles e as invenções! Vou lá
buscar a minha bebida e já volto.
Eu e o João ficámos sozinhos na
mesa.
- A tua bebida está boa? – quis saber ele.
- Óptima, e a tua?
- Também. É só uma vodka com laranja, mas está no ponto. Confesso que sou muito básico e que não vou
muito nestas novas bebidas da moda.
- Também não posso falar muito, esta bebida é muito anos
80, não é?
- Há coisas que não passam de moda, são clássicos! Olha o
exemplo destas músicas que estão a passar: têm mais de 20 anos e continuam a
ser fantásticas.
- É mesmo isso.
- Fala-me de ti – atirou-me ele inesperadamente. – Sei que és tradutora e que és a melhor amiga da Mariana, mas não sei
mais nada.
- O que queres saber? Adoro livros, música e cinema, dormir e viajar. E tu? Qual o teu perfil?
- O meu peca por desinteressante. Nos poucos
momentos em que não estou a trabalhar e a aturar chefes malucos estou com
amigos, leio, ouço música, vejo filmes, saio e faço desporto. A minha vida é isso: vou fazendo todas essas coisas e, quando termino de as fazer, começo a fazê-las de novo.
- Parece que já saíram do bar e foram para a pista, olha
só como estão animados. - reparei.
- Queres juntar-te a eles? - propôs-me ele.
- Sim, vamos, para não ficares com sono – brinquei.
- Não, nada disso! É muito agradável conversar contigo,
não tenho sono nenhum. - defendeu-se.
- Estou a brincar! – sosseguei-o, piscando-lhe o olho. - Vamos.
O barulho da música impedia qualquer tipo de conversa na
pista, pelo que rapidamente percebi que tudo o que quiséssemos dizer tinha de ser dito aos berros ou ao ouvido. Chegou-se bem perto de mim e inclinou a cabeça na minha direcção. Por ser mais alto, tinha mesmo de se baixar um pouco se queria que eu o ouvisse no meio daquela batida animada. Aproximou a boca do meu pescoço, para me falar ao ouvido. O perfume dele era encorpado e masculino mas não demasiado forte. Era divinal, fosse ele qual fosse, e cheirá-lo assim de tão perto estava a mexer comigo.
- Queres outra bebida? - quis saber, e a voz dele parecia chocolate quente.
- Não, obrigada, estou bem. - agradeci-lhe ao ouvido.
- Vou buscar qualquer coisa sem álcool para mim. - acrescentou.
- Sem álcool? – estranhei.
- Sim, estou de carro e tenho de me portar bem... – justificou-se. Piscou-me o olho e virou costas.
A Mariana vinha a abrir caminho por entre as pessoas que
dançavam na pista, até que chegou a mim.
- Bem, vocês não param de falar! - constatou.
- Sim, estivemos algum tempo à vossa espera na mesa e
agora viemos para aqui.
- Confessa, vá…
- Confesso o quê? – sabia perfeitamente o que aí
vinha, mas fiz-me de desentendida.
- Diz-me que não o achas lindo. Diz-me que não é um pedaço de mau caminho. É totalmente o teu estilo de homem.
Tentei disfarçar.
- Quem te ouvir ainda pensa que tens um fraquinho por ele,
Mar... - atirei-lhe, esperando fazer poeira suficiente para a distrair.
- Estás louca? Não troco o Jaime por nada deste mundo. Por
falar nisso, estou desejosa por tirá-lo daqui. Esta semana estivemos juntos
muito pouco tempo pois os nossos horários foram péssimos, e queremos aproveitar
hoje, pois ele viaja amanhã. Mas não mudes de assunto! Vá, admite que é realmente giro. Ou já não sabes apreciar um exemplar masculino de excelência
quando vês um?
- Claro que sei. É muito giro, sim. Mas não entendo essa insistência, arre!
- Até que enfim que admites! – agradeceu em êxtase.
O João voltava agora com uma bebida na mão. Era, como dizia a Mariana, um exemplar masculino de excelência. Reparava nele
disfarçadamente enquanto ele vinha abrindo caminho até nós por entre as
pessoas: 1,80, no mínimo, uns olhos verdes intensos e um sorriso desarmante,
com uns lábios desenhados e uns dentes perfeitos. Estava vestido de forma muito
simples, de jeans, ténis e camisa com a fralda de fora, e eu achava incrível como alguém podia vestir de uma
maneira tão descontraída e ter tanta classe. Era isso: ele transpirava classe,
e talvez fosse isso que me estava a encantar tanto. Era muito simpático, como já tinha
tido oportunidade de perceber, e parecia seguro sem ser convencido. Isso para não voltar a mencionar o resto.
- Meninos, vou voltar para a beira do Jaime, que já me
está a fazer sinais. - anunciou a Mariana deixando-nos sozinhos.
- Queres ir também ou ficamos por aqui? - quis ele saber.
- Por mim estou bem aqui, mas podemos ir, se quiseres.
- Acho que vou buscar outra bebida. O que estás a beber?
- Um cocktail qualquer sugerido pela barmaid. Para não ter álcool até que é agradável, queres provar? – ofereceu, olhando-me nos olhos enquanto inclinava o copo para mim. Sorri e
aceitei, dando um trago.
- É diferente. Ligeiramente adocicado sem ser muito doce.
- Não é vodka, mas como trouxe carro e sou um homem com juízo, tem de ser.
- Muito bem, atitude louvável! - aplaudi. - Só para não estares sozinho
nessa decisão difícil eu vou buscar um cocktail desses para mim.
- Vou contigo.
Levantamo-nos da mesinha e dirigimo-nos ao balcão. O Jaime e a Mariana estavam no bar.
- Outro gin? – provocou o João com uma pancadinha nas costas.
- Não, pá. Vai ser um whisky, mesmo. Vou aproveitar que
estou com a Mariana para ela levar o carro. - elucidou-o o Jaime.
- Fazes bem em aproveitar a noite!
A Mariana meteu-se à conversa.
- Camila, quando quiseres que te leve a casa, diz. Vou
dormir em casa do Jaime, hoje, mas primeiro levo-te.
- Eu levo-a. – respondeu o João, prontamente. – Não faz
sentido andarem para trás e para a frente.
Senti algo no estômago, mas não respondi. Ia ver onde iria dar a conversa, pelo que esbocei um sorriso distraído.
- Camila, importas-te? – preocupou-se a Mariana.
- Não, claro que não, – sosseguei-a – não me importo
nada.
- Obrigada, João, és um amor! Vamos indo, então? – sugeriu ao Jaime.
- Vamos, sim. Tenho de descansar antes da viagem de
amanhã. O Tiago e a Madalena ainda vão ficar à espera de uns amigos, mas nós
vamos indo, então.
- Sim, vão lá. - concordei.
- João, obrigada! - agradeceu-lhe a Mariana.
- Não tens de agradecer,
- Camila, amanhã ligo-te, sim? – disse-me ela, num sussurro disfarçado ao ouvido. - Não se deitem muito tarde... - provocou.
- És impossível, Mar! - indignei-me, enquanto eles se despediam e saíam.
- Por mim, podemos ir quando quiseres. – disse o João. - Ou
podemos ficar, se quiseres. Quero que te sintas à vontade para me dizeres o que
queres fazer.
Neste momento é
melhor que nem te passe pela cabeça aquilo que eu quero fazer – pensei.
- Preferia ir. - decidi.
- Muito bem, vamos.
Ele acenou de longe ao Tiago, que continuava com a Madalena
na pista e saímos do bar. Tínhamos agora de fazer a pé o caminho que nos
levaria de volta ao carro dele, que depreendi que estivesse perto do restaurante.
- Tens frio? – quis ele saber.
- Não, estou bem, mas obrigada por perguntares.
- Gostaste do bar?
- Sim, era muito agradável, embora prefira quase sempre
sítios mais calmos onde dê para conversar.
- Eu também, confesso. De vez em quando gosto de vir a um
bar mais animado ou até a uma discoteca, mas prefiro aqueles sítios onde não
precisamos de gritar para nos ouvirmos.
Sorri por dentro: outra coisa em comum.
- Temos de combinar ir a um bar que conheço, – continuou ele – acho que ias gostar. Só passa jazz e é muito calmo. Não é propriamente
um bar da moda, mas vou lá sempre que posso.
- Soa-me lindamente.
Ele meteu a mão no bolso dos jeans e tirou as chaves do carro. Ao pressioná-la, um volvo preto
piscou os faróis. Não consegui evitar uma comparação entre o carro e o
dono: ambos discretos e atraentes sem serem pretensiosos. Nada se escolhe por acaso.
Apressou-se a abrir-me a porta do carro para
que eu entrasse e eu nem quis acreditar.
- A sério que ainda há homens que fazem isso? – brinquei.
- Um pouco de cavalheirismo fica sempre bem…ou achas que
já está muito fora de moda?
- Não está nada fora de moda! Não era uma crítica, fiquei só
admirada.
- Achas piroso? – perguntou, numa careta.
- Não, pelo contrário: é encantador.
- Eu ou o gesto?
Fui apanhada desprevenida.
- Ambos, vá… - admiti.
- Obrigada pelo elogio! - retorquiu-me, satisfeito.
Entrámos no carro.
- Não foi elogio nenhum, fui praticamente coagida a
dizê-lo!
Ele deu uma gargalhada.
- Muito bem, é justo. Agora diz-me onde moras, para ver se
sei onde é ou se preciso do gps.
Dei-lhe a morada e mencionei o ponto de referência
mais conhecido. Ele conhecia perfeitamente a zona.
Assim que o motor começou a trabalhar, um cd começou a tocar.
- Até te perguntava se queres que mude, mas como
disseste que gostas de jazz, não pergunto. - justificou-se.
- Está perfeito assim...
Atravessámos a noite pela cidade. O trânsito a essa
hora era muito menos intenso do que durante o dia e a viagem não durou mais de dez minutos. Estacionou o carro
mesmo em frente ao prédio.
- Queres que suba contigo? - ofereceu.
Engoli em seco, num misto de sensações.
- Não, eu fico bem. Obrigada por me teres trazido.
- De nada, foi um prazer. Tens
a certeza de que não tens medo de subir sozinha? - insistiu.
- Tenho. O ladrão que está lá em cima à minha espera é
simpático, não te preocupes! - gozei.
Ele sorriu e inclinou-se para se despedir. Deu-me dois
beijos na face e saí do carro. Depois de entrar no prédio olhei para
trás e acenei-lhe. Ele retribuiu o gesto e vi o carro dele a desaparecer na
noite.
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